Um bebê nasce sem dentes. Na gengiva dele não tem nada. É uma almofadinha molhada, nem dura nem mole. Sem nada.

Debaixo da almofadinha, acontece uma construção nanotecnológica que começou na formação das células-tronco, quando o embrião tinha três semanas e era do tamanho de um ponto de lápis no papel. No terceiro mês de gravidez, essas células já viraram centenas de coisas, entre elas odontoblastos, que são células que constroem a polpa, a dentina e a parte dura do dente, que se chama esmalte.

As células de fazer esmalte, muito esquisitas, secretam microestruturas químicas que são super duras e se transformam em cristais minerais. Cada célula vai secretando camadas de cristaizinhos uma sobre a outra – e quando ela termina a parede toda, a célula se suicida, num processo que se chama apoptose, deixando essa parede de esmalte pra trás. Se ela não se matasse, a gente seria só dente.

A parede que elas construíram dura 300 milhões de anos ou mais e são os achados arqueológicos mais antigos do planeta. Mas olhando a gengiva do bebê não tem nada. É uma almofadinha molhada.

Assim como a terra, que nem se move. Você molha, cai água, bate sol. E ela parada.

Por semanas, a água encharcou a semente de pitanga que estava lá dentro, escondida. O sol atiçou os elétrons de todas as células da semente, elas se multiplicaram. Uma enzima começou a agir no núcleo das células, dividiu o espiral do DNA em duas fitas. Pegou uma delas como molde, aprendeu o que precisava e construiu uma fitinha de RNA que sabe exatamente do que é feita uma pitangueira. Daí a fitinha do RNA saiu do núcleo pro citoplasma e começou a construir proteínas.

As células se proliferaram e se especializaram – nasceram células de fazer raízes, mais tarde células de fabricar microfolhas e as estruturas todas. Elas se multiplicaram mais e mais, mais e mais e já não cabiam dentro da casquinha da semente, que rompeu.

Saíram raízes pra um lado, grudadas na terra. Saiu o caule, microfolhas pro outro, avançando rumo ao céu. De repente da terra parada brotou uma folha. Depois um caule – a princípio frágil, vacilante.

Dia após dia, ele cresceu pra cima, cresceu pra baixo. Não é ele, é ela. Uma pitangueira, de folhas fininhas, quase transparentes. Que antes era muda, virou árvore num quintal, deu fruta – que eu comi, depois sobrou a semente dura, que então encontrou a terra, e as células da semente se multiplicaram, e depois se especializaram, daí nasceram raízes e caule e folhas.

E virou uma plantinha que depois vai encontrar uma terra de verdade, e as raízes vão poder cavar, cavar e cavar até chegar ao centro do planeta – mas antes disso, vai ter pitangas.

Olhando assim, a gente é um monte de gente dentro de um monte de casas e apartamentos. Olhando assim, a cidade está parada, nada acontece. Olhando assim estou muda, quieta, parada. Mas não se engane.