você chega e tem pessoas. algumas pessoas – uma turma de um curso. ou às vezes milhares – um carnaval. você não conhece ninguém, mas é como se um campo gravitacional pairasse sobre. como se alguma coisa (a música?, o cheiro?) preenchesse o espaço entre os corpos. se você faz contato visual com alguém ou se esbarra acidentalmente, você sorri, o outro sorri, naturalmente. vocês trocam afeto sem palavras.
Stimmung.
essa palavra alemã, que literalmente quer dizer “humor”, foi usada pelo heiddeger com uma belezura de sentido que é: afinação. uma espécie de afinação entre as pessoas. heiddeger fala o tempo todo no tal do dasein, o ser-no-mundo, e pensando sobre isso ele desenvolve também essa outra ideia: Stimmung, o ser-nos-outros, aproveitando um conceito mais antigo da teoria musical que já no século xvii falava em Stimmung como a relação de proporção entre os tons e os instrumentos quando toca uma orquestra.
aquele minutinho em que todos os músicos se sentam, cada um pega seu instrumento, cada um fica um tiquinho ali consigo mesmo, e de repente, pããããnnnnnnnnnnnnn… mesmo tom. todos. ninguém maior nem menor, ninguém usando palavras pra dizer nada. afinados, em fase. um ponto conectado no outro ponto formando uma linha e várias linhas desenhando uma trama, sem muita ordem e depois harmônica.
foi isso que a gente perdeu com a quarentena. uma tonalidade afetiva de fundo.
a gente até se liga, até consegue, olho no olho, com um amigo, pelo celular, chegar num Stimmungzinho virtual aqui outro ali. mas esse grande Stimmung mesmo, esse que faz você saber que seu colega de trabalho saiu com a menina que ele gosta só pelo jeito que ele pisa na redação, que faz você sentir sem saber que todos os integrantes de uma banda são sinceramente melhores amigos – ou, ao contrário, que se odeiam mas vamo em frente -, o Stimmung do pardim no dia do lula livre, o Stimmung que rolou lindo e forte na feirinha do quadrado de 2018, esse tá em falta. tá em falta mesmo.
e, cara, que saudade.